terça-feira, 13 de maio de 2008

EUROPE in Black and White

trabalho da artista Mónica Miranda
Europe in Black and White é o título da conferência que acontece - ontem, hoje e amanhã - na Faculdade de Letras de Lisboa, sendo que a organização da mesma esteve a cargo do Centro de Estudos Comparativos da Universidade de Lisboa. O evento conta com várias sessões de apresentação de papers, a que se seguem os respectivos debates, e integra gente de diversos pontos do globo, o que confere ao encontro um interesse especial. Afinal, não é todos os dias que temos pessoas de diferentes países a comentar temas tão fascinantes como os do multiculturalismo, do pós-colonialismo, das migrações, da exclusão e da integração das minorias étnicas na Europa, entre outros.
Não é nova esta ideia de que as sociedades actuais se revestem de enormes diferenças, resultantes do processo de globalização a que assistimos. Torna-se, deste modo, imperativo pensá-las nesta senda, discutindo os assuntos que lhes são caros, como os acima descritos.
Coloca-se agora a seguinte questão: "Faz sentido falar em identidades culturais num mundo em que as fronteiras se diluem dia após dia, se é que este termo teve alguma vez pertinência?" Para, logo a seguir, perguntarmos: "Qual é a validade daquilo a que chamamos multiculturalismo? Afinal, o que é isso de multiculturalismo?" E depois: "Que fenómeno é esse a que damos o nome de transculturalismo?"
Segundo Benedict Anderson, as identidades culturais ( cultura portuguesa, francesa, inglesa, africana, norte-americana, escocesa, chinesa, japonesa, etc.) não passam de uma ideia que construímos à volta de um determinado povo, sem constituir nenhuma experiência do real. Estas são, por isso, apelidadas pelo o autor de "comunidades imaginadas". Desta forma, defendemos o ponto de vista de que não existem hoje, nem existiram ontem, as ditas identidades culturais, na medida em que estas são fruto da nossa imaginação, pois sempre houve
diferenças dentro das sociedades e continua a haver, agora mais do que nunca. É neste sentido que nos opomos à ideia de que as identidades culturais têm vindo a perecer com o avançar do processo de globalização. Na verdade, estas não passam de um mito que foi tomando proporções cada vez maiores à medida que o mundo se foi globalizando. O que está aqui em causa é um conceito falaz de cultura. É o pensar a cultura enquanto forma de diferenciação e especificação da populacão humana, ou seja, enquanto mapa-mundo. Não queremos com isto dizer que uma dada característica não possa estar muito presente no seio de uma determinada comunidade e que grande parte das pessoas pertencentes a essa mesma comunidade não partilhe dela, o que queremos é alertar para o perigo da tomada da parte pelo todo, da apresentação de um discurso homogéneo sobre a comunidade.
Urge assim um novo entendimento de cultura: a cultura como um espaço no qual se incluem todas as diferenças, todos os diálogos. "Impurity is the order of the day. The we and you, include also the he and she of all linguistic groups, of all nacionalities, of all sexes. We are of all cultura. Each person is a mosaic" ( Guy Scarpetta)
No aceso debate de ontem à tarde, - que contou com a presença dos artistas plásticos Ângela Ferreira e Francisco Vidal, do escritor Abdelkader Benali e do fotógrafo e documentaristas Kiluanje Liberdade - a discussão centrou-se à volta do seguinte tema : A Europa e os Desafios Do Multiculturalismo. Durante as duas horas de conversa que durou a sessão, ficou claro que estes artistas, de origem africana, consideram o termo multiculturalismo desadequado ao tempo presente, preferindo antes falar em transculturalismo.




quinta-feira, 8 de maio de 2008

A ONG Human Right Watch Acusa Democracias Ocidentais de Compactuarem Com A Violação Dos Direitos Humanos.

A ONG Human Right Watch denunciou no seu relatório anual a forma como algumas democracias estabilizadas têm aceite os resultados eleitorais fraudulentos que se verificam em alguns países. “Ao deixarem que autocratas se apresentem como democratas, sem exigir-lhes o cumprimento dos direitos civis e políticos nos quais assenta a democracia, os E.U.A, a União Europeia e outras democracia influentes estão a pôr em risco os direitos humanos”, cita o relatório.
Segundo a Human Right Watch, em 2007, muitos países - nos quais se incluem a Birmânia, a Jordânia, a Nigéria, a Rússia e a Tailândia – agiram como se fossem democráticos, sem no entanto respeitarem os direitos humanos. “A Administração Bush tem falado frequentemente do seu compromisso com a democracia, contudo mantém-se em silêncio quanto ao desrespeito dos direitos humanos em alguns países”, adverte a ONG. E acrescenta: “ É muito fácil para os autocratas conseguirem manter democracias fachada, pois a única coisa que muitos dos governos ocidentais insistem é para haver eleições. Estes não põem pressão nenhuma sobre a questão dos direitos humanos, fundamental para o funcionamento de uma democracia.” O medo de perder acordos comerciais vantajosos e a luta contra o terrorismo são as causas apontadas como estando na origem deste silêncio ensurdecedor.
No relatório apresentado, a Human Right Watch avaliou a situação dos direitos humanos em mais de 75 países. O Chad, a Colômbia, a República Democrática do Congo, o Ogan na Etiópia, o Iraque, a Somália, o Sri Lanka, o Dafur no Sudão, bem como a Birmânia, a China, Cuba, a Eritrea, a Líbia, o Irão, a Coreia do Norte, a Arábia Saudita e o Vietnam foram considerados os locais no mundo onde o abuso dos mesmos é mais crítico. Na lista figuram ainda outros países – a França, os E.U.A, o Reino Unido, o Paquistão, entre outros – que em nome da guerra ao terror têm cometido várias violações neste domínio.
Os jogos olímpicos na China são também referidos no documento. Este evento mundial é visto pela organização como uma “oportunidade histórica para o governo Chinês mostrar ao mundo que pode fazer dos direitos humanos uma realidade para o seu bilião de habitantes.”
O relatório dá ainda a conhecer os abusos a que os suspeitos de terrorismo têm estado sujeitos por parte dos E.U.A, suscitando uma grande preocupação a este respeito. Os 275 indivíduos que se encontram detidos em Guantánamo sem qualquer acusação e a grande disparidade que existe entre o número de pessoas de cor detidas em prisões nos E.U.A e o número de brancos na mesma situação, sendo que os primeiros apresentam-se em número muito maior, são consideradas duas situações de extrema gravidade.
Outro aspecto importante focado pela Human Right Watch tem a ver com a falta de legitimidade que os E.U.A e outros aliados têm para falar em direitos humanos, uma vez que não podem servir de exemplo, dadas as sucessivas violações que têm cometido.
A ONG britânica não pôde também deixar de divulgar o facto da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que tem como objectivos, entre outros, a promoção da democracia, dos direitos humanos e da segurança, ter aceite que o Cazaquistão faça, a partir de 2010, parte da mesma. Esta decisão ocorreu depois do partido dominante naquele país ter ganho todos os assentos na assembleia, nas eleições de Agosto do ano passado. De acordo com os próprios observadores da OCDE, no período eleitoral os media foram censurados e a oposição reprimida, além de se ter verificado falhas na contagem dos votos.
Relativamente aos desenvolvimentos positivos, o relatório fala de Alberto Fujimori e Charles Taylor, antigos presidentes do Peru e da Libéria. Ambos vão ser julgados pelo Tribunal Criminal Internacional ainda durante este mês.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Ibn Darraj, O Poeta de Cacela Velha

fotografia do largo da igreja, Cacela Velha
A tarde já se fazia longa quando resolvemos, eu e mais duas amigas, ir dar uma volta a Cacela, um dos raros povoados algarvios que continuam imberbes à febre dos empreiteiros. Na praça da pequena igreja, coberta por um céu azul, apenas esbranquiçado por uma ou outra nuvem solitária, de onde avistamos o imenso oceano delimitado pela linha do horizonte e deslumbramos o fascinante arrebentar das ondas que, de alguma forma, se une às escassas condensações do topo, reparei num grupo de senhoras que trajavam umas sumptuosas vestimentas, características dos países árabes. Veio-me imediatamente à cabeça a imagem de Benazir Butto, a grande líder paquistanesa que foi assassinada em plena campanha eleitoral, na cidade de Rawalpindi, em Dezembro do ano passado. Intrigada com tais presenças, logo tentei descobrir quem seriam e o que estariam ali a fazer. Sorrateiramente, olhei para os papéis que escreviam e constatei que se tratava de escrita árabe. Tive então a confirmação de serem mulheres do mundo islâmico. Mas a dúvida persistia. “De onde vêm e o que fazem em Cacela”, questionava-me. Um pouco mais à frente, junto de uma tasquinha onde se saboreia alguns petiscos, notei um aglomerado de gente. Desloquei-me até lá, dizendo às minhas amigas que algo estava a passar-se e que eu tinha que descobrir o quê. Chegada ao local do crime, perguntei a uma rapariga de óculos com um ar erudito que encontro era aquele de gente tão diversa. Ouvia-se falar árabe, espanhol e português ao mesmo tempo, o que servia para aumentar a confusão instalada. A mesma rapariga disse-me que se estava a homenagear Ibn Darraj, um poeta árabe que nascera naquela localidade no ano de 948. Serenei, pois tinha desvendado parte do mistério que me atormentara a mente. Esbocei um sorriso interno e continuei a minha investigação inesperada. Dispostas em círculo, as pessoas escutavam um senhor – o Presidente da Câmara de Vila Real de Santo António, muito provavelmente – que proferia um daqueles discursos repletos de conceitos caros, como são os de herança cultural, multiculturalismo, inter-penetração de culturas, e outros afins, a que estamos habituados a ouvir nas solenes cerimónias de homenagem que se realizam no nosso querido país. “Portugal no seu melhor, com um toque árabe!”, pensei. Enfim, começava a pegar o fio à meada. A temperatura estava amena, e vozes e gracejos escutavam-se por toda a parte. Notei também que algumas das pessoas do amontoado de gente tinham pendurado ao peito um crachá da Fundação Ali-Idrisi Hispano Marrequí. Concluí então que aquelas mulheres que há alguns minutos eu havia observado sentadas no banco do largo da igreja deveriam ser marroquinas. Mas, ainda assim, nunca cheguei a confirmar a minha suposição.
Havia festa em Cacela… Sessão de homenagem ao poeta da terra, que contou com a inauguração de uma placa evocativa, colocada sobre uma parede caiada, na qual foram inscritos o seu nome e um dos seus poemas, seguindo-se um concerto na igreja matriz. E Cacela continuava simples como só ela sabe ser. O evento cultural que ali presenciei fazia parte do programa do congresso “Itinerários e Reinos: uma descoberta do mundo. O Gharb al-Andalus na obra do geógrafo al-Idrisi”, co-organizado pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António e pela Fundação Al-Idrisi Hispano Marrequí. A título de curiosidade: Ali-Idrisi foi uma grande figura da geografia árabe medieval, cujo trabalho cartográfico revelou-se de extrema importância para o arranque das viagens europeias dos finais da idade média. E já agora: Gharb al-Ândalus era a região mais ocidental do al-Ândalus, que corresponde à parte do actual território português. Nela se incluíam cinco áreas principais – o termo de Coimbra, o estuário do Tejo, o Alto Alentejo, o Baixo Alentejo e o Algarve. E só mais uma coisinha: o fim do território Gharb foi assinalado com a conquista do Algarve pelo rei D. Afonso III.

Interrogo-me agora: “De que espanto fui assaltada quando vi tais criaturas? Do espanto da permanência inevitável do tempo, que no mundo veloz como o de hoje é tão difícil decifrar.”
· TIVEMOS,Em vez de uma longa vida de doçuraA travessia de vales e montes lamacentos;Em vez de noites breves sob os véusO temor da viagem no seio de infindável treva;Em vez de água límpida sob sombrasO fogo das entranhas queimadas pela sede;Em vez do perfume errante das floresO hálito esbraseado do meio-dia;Em vez da intimidade entre ama e amigaA rota nocturna cercado de lobos e de génios;Em vez do espectáculo de um rosto graciosoDesgraças suportadas com nobre constância.

ALVES, Adalberto O meu coração é árabe Assírio & Alvim, Lisboa 1987